Semeai livros a mão cheia e mande o povo pensar

12 01 2012

Conheçam William, um vendedor de livros

Gostaria de começar de forma positiva esse ano de 2012. Afinal esse é o primeiro post do ano. Daria aqui um destaque a esse ou aquele autor, esse ou aquele lançamento, mas decidi compartilhar a ação que um livro pode causar na conexão de uma cidade.

Na primeira Vitrolada do ano com DJs acidentais (Chico Marques e Mauro Pavesi), no Torto, quem por lá baixou viu se repetir uma cena que, mesmo não sendo frequente, ilustra bem o livro como ativo econômico. Não, não estou aqui fazendo defesa de livreiros, escritores e casas editorais. Esse primeiro post do ano vai um pouquinho mais além: a possibilidade de transformação que o objeto livro pode realizar (algo meio impensável para os e-books, pelo menos até o momento).

Na última terça, na esquina das avenidas Siqueira Campos e Bartolomeu de Gusmão, estava lá novamente o William. Não sei qual é o seu segundo nome (ficar enchendo o sujeito de perguntas e ele logo me daria como policial ou algo do gênero. Quem é da noite conhece essas criaturas e sabe bem que não são lá muito afeitas a certo tipo de inquisição). É um morador de rua que tem consigo um carrinho de supermercado onde carrega seus pertences e sua mercadoria: livros.

Estende uma lona plástica na calçada e organiza sua livraria ambulante. Alguns títulos manjados, outros totalmente interessantes. Enfim, apesar da quantidade diminuta, o nem-tão-trivial-assim era variado.

Perguntei o preço dos exemplares, a fim de saber se havia alguma diferença de valor entre eles. Afinal, havia livros de medicina expostos lá, pediatria, anatomia, logo pensei que ele praticaria preços distintos.

É tudo R$ 5,00. Isso mesmo! Toda aquela pequena fortuna tendo seus pedaços vendidos à R$ 5,00.  Títulos irresistíveis, preço irresistível.

Puxei assunto com o William. O negócio é fazer uma baladinha diferente. Sei que o pessoal desse lado curte cultura, aí

William e seu carrinho de fortunas literárias de toda espécie

vendo meu livrinhos.  Pelo estado de conservação dos exemplares, provavelmente ele os consegue no lixo. Pois é, ainda tem gente que, ao invés de doar as edições a bibliotecas, joga fora.  Enfim, bem a cara de uma parcela de nossa população que, apesar de rechonchuda conta bancária, é de uma indigência cultural sem par.

O trecho da Siqueira Campos entre Epitácio Pessoa e Bartolomeu de Gusmão é meio o quarteirão da alegria. De um lado o C4 e o Australiano. Do outro, o Torto. William foi feliz ao dizer que o pessoal desse lado curte cultura. No caso de uma Vitrolada, numa terça, a presença de jornalistas, artistas e pessoas simpáticas às causas culturais é um pouco maior do que baladeiros de fim-de-semana que certamente não estão sensíveis ao trabalho de William.

Se pouco conheço cabeça de baladeiro, o William não passa de um maloqueiro que vende livros encontrados no lixo para beber cachaça. Da minha parte, o que ele faz com o dinheiro que ganha vendendo seus livros não é da minha conta. William é uma pessoa que trabalha com livros. Ainda que longe de nossa fantasia de esteriótipos, William, na última terça, era a única loja de livros aberta naquele horário, com bons livros, alguns em excelente estado de conservação e por um preço condizente com sua atividade de ambulante (não precisa pagar aluguel, água, luz, IPTU, ISS e outros tributos).

Enfim, tem gente que ainda faz cara feia ou torce o nariz. Administradores públicos com contas em offshore para lavagem de dinheiro é que é bom, bacana, pelo jeito. William é humilde. Talvez nem saiba o valor do trabalho dele. Mesmo assim, achei aquilo algo positivo, não no sentido comercial e de sobrevivência de William, mas por sua percepção de Cultura como uma pulsação, como um elemento que pode muito bem ser orgânico numa cidade que se diz cultural, mas que aponta para um desertificação inimaginável.

William, naquele instante, representou tudo aquilo que a Cultura deveria ser: orgânica. Um movimento e um pulsar sem grandes reflexões, transgressões ou comprometimentos estéticos e pessoais. Vendo livros, diria William. O resto é com você, leitor(a).

A propósito, graças ao William, tenho em casa, agora, Crônicas Escolhidas de Lima Barreto, e O Conto da Ilha Desconhecida de José Saramago.





Achados e perdidos

27 12 2011

Um Brinde em Copos de Plástico, de Ricardo Carlaccio

O que fazer diante de um livro bom, bem escrito, mas que sabemos, de partida, enfrentaria resistência da massa de leitores? O que fazer diante de um livro bom, mas que, por questões de não querer combinar a mesa-de-centro com a moldura do quadro pendurado nas sala-de-estar, se tem a nítida noção que o melhor que o autor realmente fez foi bancar a própria publicação? O que fazer diante de um livro bom, mas que ainda não encontrou o seu leitor? A propósito: estariam todos os leitores preparados para qualquer tipo de texto, tema, ou ficção? Se todos os leitores estivessem realmente preparados, haveria alguma graça na vida?
Essas questões soaram como sino de igreja centenária em praça matriz ao término da leitura de Um Brinde em Copos de Plástico, de Ricardo Carlaccio. Vale lembrar que o livro em questão é uma edição do próprio autor, no melhor do do-it-  yourself. As aventuras do herói do livro e seu parceiro, a travesti anã Tinky Winky são quase um desfile de situações e personagens alegóricos bem longe do convencional e do caricato.  Nada mais do que a falência do ser como humano, o ser mergulhado em obscuridades e hedonismos sem freios, uma espécie de agonia da virtude. Definitivamente, a perturbação, o niilismo e o epílogo de qualquer tipo de moral, encabeçando um encadeamento pela lógica de posturas em completa busca de esgotamento.
Não há como não lembrar do filme O Cheiro do Ralo, baseado no livro homônimo de Lourenço Mutarelli. Ricardo tem o texto sob controle, habilmente urdido e equilibrado, para criar espaço e ambiente de um universo onde seus personagens vão se solavanco. É uma escolha difícil. Se o conselho de alguns editores é escrever ficção tendo um determinado tipo de público-alvo em mente, isso não significa que tal aconselhamento seja unanimidade. Não são todos os autores (e editores) que curtem muito a mesa-de-centro combinando com a moldura do quadro na parede.
A incursão do personagem principal do livro, que ora responde pelo pseudônimo de Souza Capanema, mas quando inserido no mundo da pornografia ganha o apelido de Gervásio Vasconcellos, tem sob sua batuta o que as pessoas comumente chamariam de escória. Nesse universo, o ator pornô Aníbal, Bete, Boca Aberta, o Judeu, Tinky Winky e tantos outros personagens descortinam o caráter como elemento duvidoso, ora descartável, ora fisiológico. Aventura-se sem pensar muito em perdas, em danos, em efeitos colaterais. Uma alegoria onde qualquer semelhança entre a moral duvidosa e esquelética com a vida real seria apenas mera coincidência?
Diante de um bom livro como Um Brinde em Copos de Plásticos, caímos no questionamento de alguns posts há meses atrás: qual o limite do do-it-yourself. A popularização dos métodos de impressão, o custo cada vez mais reduzido de se publicar um livro, não criaria uma faca no pescoço de editores e casas editoriais, uma abordagem muito mais por intimidação e constrangimento do que por qualidade do texto produzido? O custo cada vez mais reduzido de publicações não acarretaria numa enxurrada de textos sem a menor leitura crítica ou filtro qualitativo?
Quem, no caso de filtro qualitativo, faria o trabalho sujo? Quem colocaria o polegar para cima ou para baixo feito um imperador no circo romano? E quais seriam esses critérios?
Porque, até mesmo para vários editores e casas editoriais, o mesa-de-centro não tem que combinar com a moldura do quadro pendurado na parede da sala, em nome de certa oxigenação criativa que toda obra de ficção sempre deveria ter.
A porca torce o rabo de vez quando colocamos, nessa rota, a parte mais interessada e interessante em todo esse sistema: o público leito. O sentimento de tristeza ao terminar a leitura de Um Brinde em Copos de Plástico pode se resumir em dois pontos: primeiro, essa enxurrada de novos autores e livros, por conta do custo reduzido de publicação (o que permite o autor bancar sua própria edição) torna o encontro feliz do leitor com uma obra como Um Brinde… uma tarefa cada vez mais difícil. É muita cortina de fumaça para se achar um bom texto como a ficção de Ricardo Carlaccio.
Segundo: conhecendo a outra ponta, o público, fica cada vez mais difícil, na média santista e nacional, achar quem realmente passe da página 20 de Um Brinde em Copos de Plástico. Poderia se pensar num público mais jovem, mas, peraí… Achar que jovem não é reaça é um perigo daqueles. Ainda que o público jovem faça sua adesão à obra de Ricardo Carlaccio, o livro acaba se tornando uma espécie de catecismo do Carlos Zéfiro: para se ler escondido do pai, da mãe e da ala mais velha da família.
Até por um simples detalhe: quanto mais a sociedade avança na tecnologia dos números e na ciência da eletrônica, pior a capacidade cognitiva do grande público em entender que ao longo das páginas de Um Brinde em Copos de Plástico nada mais temos que uma alegoria, como em boa parte das obras de ficção. Não há um entendimento do universo literário como mímese, ou uma espécie de simulacro onde o trabalho do leitor é se remeter a referentes.
Já dá para ver que tanto autores quanto leitores estão sem bússola, sem seus smart phones com magnânimos GPSs. É uma quantidade considerável de gente na roça. E um bom livro como Um Brinde em Copos de Plástico sem o seu leitor.





Obrigações matrimoniais

14 10 2011

          Acho engraçado isso: após assinar os papéis do casamento, no civil, se um dos cônjuges não cumprir com alguns dos itens lá relacionados, coisas acontecem. Desde o fim do contrato até coisa pior (uma sub-versão dele). Ninguém fica satisfeito, ninguém fica feliz. Entretanto, quando o assunto é mercado editorial, voltamos a ver fantasmas ao meio-dia e ouvir vozes depois das 22 horas.

          Deus é testemunha que sou um defensor do do-it-yourself. Se tem alguém que pensa e acha que o escritor não pode ficar refém de uma espera interminável para uma publicação, esse alguém sou eu. Do fundo do coração, sou tremendamente favorável que o autor procure a melhor maneira de viabilizar a publicação e/ou trazer sua obra para o público (seja qual for o tamanho). Apenas penso que isso deveria ter em sua raiz o bom e velho for free and for fun. Que isso deveria ser, acima de tudo, divertido para o autor e o público.

          Porém, quando a publicação é uma forma de dar vazão a egocentrismos distorcidos e pressionar um mercado com seus próprios códigos e procedimentos, seria bom o(a) escritor(a) em questão repensar um pouco sobre o que é (ou deveria ser) literatura.

          Vivemos tempos difíceis. Sei disso. Tempos que transformaram o então famoso e charmoso marketing pessoal em um cabotinismo sem par. Egos inflados e mentes doentes quase sempre são nitroglicerina pura. Vivemos tempos difíceis, eu sei. Tempos onde os meios dão uma enorme atenção a tudo que é tóxico. E, ainda por cima, tentam quase que a todo custo enfiar goela abaixo de que isto é um valor dos tempos modernos, de que isso é bom pacas.

          Publicar nada mais é do que levar ao público. Só isso. Não é a tábua de salvação de uma carreira, não é um cafuné, não é prova-de-honra, não é a defesa de uma tese que tenta provar que essa ou aquela pessoa é indispensável artisticamente.

          Quando publicar se torna uma mecânica de defesa a qualquer tentativa de edição, a deterioração atinge seu grau mais avançado. Simples: com as recentes possibilidades de prensagem em quantidades reduzidas, praticamente qualquer um pode publicar o que quiser. Se na primeira leva as duzentas cópias são vendidas, logo o público, um ente soberano, referendou a qualidade daquele(a) escritor(a). E partir desse ponto em diante, ai do editor que venha com qualquer tipo de sugestão nas obras seguintes.

          É o famoso todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer. Quem senta do outro lado da mesa acaba não curtindo muito esse tipo de postura. Casas editoriais costumam deter CNPJs, impostos a pagar e toda sorte de encargos vencendo mês após mês. É impossível um editor não pensar no texto como um produto a ser adquirido. Ainda que o pensamento esteja vibrando na mesma frequência de onda da qualidade artística de um texto, com tantas contas a pagar, fica complexo não considerar a viabilidade comercial de uma obra.

          Se o lance é ser independente, sejamos independentes all the way. Utilizar um eventual sucesso inicial como instrumento de pressão contra qualquer tipo de flexibilização é fazer de qualquer projeto primeiro e único. Certamente o editor não vai querer repeteco. Pensará duas vezes antes de partir para uma segunda empreitada na base da pressão.

          Simples: se determinado autor já vendeu suas duzentas, quatrocentas cópias, que permaneça no do-it-yourself e seja o que Deus quiser. Agora, uma vendagem nessas condições justificar um baita tapete vermelho, entrar na casa editorial pela porta da frente, onde vale sequer passar pelo processo de edição, sei não… Fica esquisito pacas. Isso sem contar a gigantesca legião de autores que não possuem uma leitura mais crítica do que fazem, aquele leitor mais atento que evita cochilos e viagens onde só o escritor goza. Mais ninguém.

          A possibilidade de publicação não deveria jamais ser uma massagem no ego. Deveria ser um ato de comunicação, um contar uma história. Ainda que solta em estética particular e elaborada, deveria ser uma celebração do e com o público, não um ato vazão de si próprio. Penso que não foi para isso (um ato de vazão de si próprio) que o livro foi feito. E livro nenhum oriundo de uma casa editorial foge à necessidade de se transformar num produto, ou desrespeita os códigos, ritos e convenções do que é chamado mercado.





Eu podia estar roubando, eu podia estar matando.

11 08 2011

"51 Mendicantos", de Paulo de Toledo

          Um dos grandes atrativos da áspera vida nas cidades é a fauna, o conjunto de júbilos, gozos e misérias humanas. A vida no campo é muito melhor, mais tranquila, o ar mais puro, temos mais verde. O que sobra nas cidades são as histórias que não deram certo. Vale, então, aquela velha máxima de que a história é sempre contada por aqueles que venceram. Nem sempre. O poeta santista Paulo de Toledo, um poeta observador, aquele observador com o olho curioso, recria a figura urbana do mendigo em sua obra 51 Mendicantos. Não. Não há aqui um corte profundo que nos identifique com os mendigos, nem tampouco um ordenamento meio na base da autópsia do que deu errado na vida dessas pessoas. Também não há uma tentativa de entender o que é um mendigo, como pensa, porque chegou naquele estado. Se a busca for por mandamentos da mendicância, é bom tirar o cavalinho da chuva igualmente. Aqui se trata de como a imagem de um ser em sofrimento pode recriar um espaço imaginário a partir do olho de quem vê.
          E Paulo de Toledo não economizou observação e imaginação para reconstruir um universo que, quase sempre, nos passa completamente desapercebido. De fato, num primeiro momento o trem acaba soando estranho pacas. Mas é surpreendente ver um poeta deitar os olhos nessa figura humana sempre associada a um sabor de derrota, de fracasso. Essa imagem de um homem vencido pela estranheza dos códigos urbanos, dos códigos sociais, ligado a inaptidão de se adequar a costumes que até mesmo nós (não mendigos) questionamos sua validade, seu sentido.
           A primeira leitura da obra de Paulo de Toledo deixou em minha boca um leve e imperceptível sabor de traquinagem. Sabe aquele garoto traquinas que escarnece do mendigo, que lhe atira coisas, só por passatempo, molecagem? Sabia que minha primeira leitura era um equívoco grande demais para continuar nela. Releitura, releitura, releitura… E depois achei a imaginação a serviço do registro de um personagem das cidades tão de carne-e-osso quanto todos nós. People we despise.
          Se Paulo de Toledo corrige esse equívoco, tinha de corrigir meu equívoco de uma primeira impressão tão rasteira, parca, fraca, débil. E descobri a figura do mendigo como um ser sentimental, racional, emocional, embutido na invisibilidade por nós produzida, essa invisibilidade deplorável de não enxergar os seres que nos cercam exceto pelo que mostram, ostentam, induzem, pelo que vestem, dirigem, pelo lugar onde moram, pela poupuda conta bancária.
          51 Mendicantos definitivamente é um livro onde o preconceito foi jogado fora, passa longe. Lá temos o mendigo, o herói desses poemas, como a mais fina, pura e cognoscível persona poética. Paulo de Toledo teve a felicidade de confir-lhe a autoridade artística, um posto que não fica nas mãos do autor, mas que transitoriamente termina na personalidade frágil, exposta e dependente de tudo que um mendigo possa ter.
          Sim, o mendigo de Paulo de Toledo possui ideal estético capaz de sensibilizá-lo ao que Immanuel Kant chamou de a forma da conformidade a fins de objeto. O mendigo a vê, e a ela é atraído, sem rodeios, sem protocolos de uma vida urbana débil, cheia de pífias idéias de ordem, que nada mais faz do que tolher brutalmente a sensibilidade de qualquer persona poética (ou artística).
nem tudo são flores
 
com o cacete o guarda dá no pé do ouvido
do mendigo que brincava comovido
de bem-me-quer com uma flor do município
 
(TOLEDO, Paulo de. 51 Mendicamentos, ilustrações de Sandro Saraiva. Porto Alegre, Editora Éblis, 2007.)

O poeta e escritor Paulo de Toledo

          Três versos em cada Mendicanto e a figura do mendigo completa seu desfile pelas questões humanas de uma subserviência pecuniária e tecnológica que expõe o ser humano a sua própria rugosidade feito um ralador de carne. O mendigo luta. Universaliza-se pelo ponto de intersecção com o leitor: a alma, o sopro, a elevação da arte, do artístico. Desde que o leitor não esteja impregnado pela aparência e não fique a abraçar o que lhe exposto. Um leitor que vai muito mais além do que os olhos apreendem. 
           Diferente de Poesia é Não, de Estrela Leminski (onde o poema é perpassado mais pela emoção do que pela imagem), 51 Mendicantos uniria David Hume e Maurice Blanchot no que tange a imagem & imaginário se ambos não fossem um tanto descontinuados em relação à imagem. Se para Hume tanto a impressão quanto a idéia se diferenciariam em relação a sua intensidade (a impressão é mais forte, portanto, inegociável), é na imagem em que elas se baseiam num primeiro contato com o objeto de nossa contemplação. Mas sem nada por trás desse objeto. É na inegociabilidade da impressão que arrefecemos sua intensidade e a tornamos idéia. Mas sem a loucura de acreditar que haja algo por trás do signo que invada nossa visão.
          Prudente Blanchot ter mantido a distância necessária entre o signo e a coisa real. Ainda que afirme na simultaneidade entre objeto e imagem, não correu o risco de alegar pesos iguais para ambos. Apenas afirmou que um não vem desassociado do outro. Meu único descontentamento com Blanchot vem com a não abordagem empírica da imagem (impressão & idéia) e com a não contemplação do caráter arbitrário e convencional do signo linguístico indicado por Ferdinand de Saussure, o que acaba tirando da jogada o(a) amado(a) leitor(a) num processo palimpsesto, de conclusão de um ciclo cognitivo. Mas isso é uma história para um outro por do sol…
          Se para Blanchot a imagem é uma outra possibilidade do ser, é na idéia (Hume, o arrefecimento da impressão) que o poeta Paulo de Toledo recria um espaço literário onde as palavras e expressões em língua inglesa presentes em 51 Mendicantos conota a sofisticação de uma tralha técnica, científica e tecnológica capaz de excluir esse ou aquele por situação finaceira e inadequação adaptiva em mundo sem explicação e sem sentido.
          A idéia de quem é o mendigo presente em seus poemas faz com que Paulo de Toledo corrobore a autoridade de persona poética, sem cair no perigoso apelo de transformá-lo num herói virtuoso. A idéia dessa imagem recria o espaço literário e a palavra literária (Blanchot) para intensificar a força dessa idéia, tornando-a impressão dentro desse espaço e, consequentemente, inegociável outra vez.
          Paulo de Toledo, assim, reforça sua opção mais empirista em 51 Mendicantos, mas com a singela cumplicidade de seu(ua) leitor(a). Transforma-o(a) não num(a) interlocutor(a), mas numa testemunha dos passos errantes do mendigo, em sua jornada, em sua epopéia de respirar simplesmente. Dá um passo além de Blanchot por não ignorar o(a) leitor(a) como integrante de relevância dentro de um ciclo comunicativo, de reconhecimento, de entendimento. A notícia de que o ser ao seu lado existe. Com todas as suas complexidades imateriais.