Escola de Escritores (ou as Letras Atrapalhadas)

23 08 2011

          Quis a sorte (ou o azar) de gostar de idiomas estrangeiros e bater com os costados na área de tradução. Vocação? Sim. Só que o prazer de trabalhar nessa área é maior do que a vocação. Jovem, 18 anos, não quis meter as caras na capital estadual, até mesmo porque não tinha onde cair morto (não que hoje em dia esteja absurdamente diferente, mas minha atividade como professor de inglês na época custeava a faculdade sem sobrar muito sequer para o guaraná). Não, não nasci em berço esplêndido.

          E, assim, começou a viagem pela técnica dentro da arte. Linguística, linguística aplicada a ensino de idiomas, linguística aplicada à tradução, teoria da literatura, literatura comparada, literatura portuguesa, literatura brasileira, literatura inglesa, literatura norte-americana, técnica e teoria de tradução, monitoria, livros, livros e mais livros. O curso estava bem no início e nossa sala de aula ficava na biblioteca central, numa salinha, uma espécie de aquário.

          Quando faltava uma ou outra professora, enfiávamos a cara nos livros. De Woody Allen à Noam Chomsky, de Dionélio Machado à Shakespeare. Dois anos dentro de uma biblioteca. Livros, livros, livros… Antônio Candido, Herald Bloom, Saul Bellow, Balzac, Eça… Até a versão em quadrinhos de A Queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe, a gente lia. Ainda que preferisse as heroínas de Millo Manara.

          Quatro anos dentro de um curso de Letras traz uma garantia: não há consenso. Se a humanidade até hoje enfrenta seríssimos problemas para o estabelecimento de um juízo estético fácil, ágil, amplamente aplicável, seguro, definitivo e perene, o que dizer quando me fazem a pergunta: o que é literatura? O que é literário? O que é e o que faz um escritor ser um escritor? Qual o elemento fundamental que torna aquele ser humano escritor e os demais não?

          O que faz um relato (comum em textos de grandes reportagens, no texto jornalístico) não ser considerado literatura? Por que somente o texto denso pode ser considerado literatura e um outro mais simples, bem mais raso, não? Qual é o juízo estético que norteia o que é literário ou não? Qual(is) o(s) elemento(s) que concretamente provam que um determinado livro é literário? Crônica não é literatura? Ensaio não é literatura? Macbeth, de Shakespeare, sim; Fazenda Modelo, de Chico Buarque, é excrescência?

          Um dos grandes teóricos da tradução que o mundo já produziu foi Eugene Nida. Não, caro(a) leitor(a), ele não fez quatro anos de bacharelado em Letras ou Tradução. Ele simplesmente comandou equipes e mais equipes que traduziram os evangelhos. Seria ele um tradutor? Ou não, porque traduzir os evangelhos não vale? Só valeria se tivesse traduzido Joyce. Sim? Não?

          Fico imaginando o Ministério do Trabalho só permitir escritores com diploma de Letras. Imagino Balzac nas carteiras de uma faculdade para se tornar um escritor (ou pelo menos ter permissão para). Já adianto uma coisa para você, meu/minha caro(a) leitor(a): a literatura seria um troço chato pacas. Literatura com carimbo do MEC. Sei lá, perde o ímpeto, sabe?

          A graça do negócio está na diferença. Entre o frio e o quente, entre o raso e o profundo, entre o simples e o sofisticado, entre a ficção e a não-ficção. Há todos os tipos de leitores, há todos os tipos de escritores, há todos os tipos de livros, há todos os tipos de literatura e escolas literárias. Há pessoas mais talentosas do que outras? Há. O problema é estabelecer um índice de talento e competência quando o assunto é arte. Mas há um cenário pior: mesmo sem um consenso em torno de um juízo estético, você, meu/minha caro(a) leitor(a), perder seu livre-arbítrio de se mover por causa de um livro que você quis ler ao se deixar guiar pelas primeiras posições do tal índice de talento e competência.

          Portanto, meu/minha caro(a) leitor(a), relax. Take your time. Pegue o livro de sua preferência, aproxime-se do autor que você mais gosta e aproveite o resto dos dias que ainda lhe resta.