Brasil: o país do tambor.

11 11 2011

          Que a língua portuguesa é uma língua de cultura, não gastemos tempo para provar o contrário. Pode gozar do mesmo prestígio do dinamarquês, do galês, do croata, do eslovaco. Isso são outros quinhentos. Que o Brasil produziu grandes nomes da literatura universal, também não gastemos muito tempo com isso. Um país que teve João Guimarães Rosa não é um país qualquer quando se trata de literatura.
          Mas, então, porque diabos o Brasil jamais teve um de seus autores laureado pelo prêmio Nobel de literatura? Se temos grandes escritores (como a internacional Clarice Lispector) e grandes obras literárias, porque vizinhos como Peru, Colômbia e Argentina já foram agraciados com tamanha honraria e nosso país ainda não?
          É uma investigação muito complexa e, consequentemente, difícil. Qualquer coisa que se diga sempre ficará soando como pretensão, sempre uma análise incompleta e incorreta do que realmente somos. Para piorar: num processo constante de juventude e mudança coloca qualquer item que se discorra aqui como o mais fino exercício do palpite, da orelhada.
          Lembro da 1ª Tarrafa Literária, numa mesa mediada por Vladir Lemos que contou com Xico Sá e Matthew Shirts, chefe de redação da revista National Geographic Brasil e hoje cronista da revista Veja. Uma observação pertinente de Matthew naquela mesa: literatura e leitura são atividades para dentro, são atividades em que os indivíduos podem executar de forma coletiva, mas nunca conseguem se desgrudar do caráter solo que esse ramo artístico possui. Em geral, quem lê o faz em silêncio. Pode até fazer em ambientes coletivos, como dentro de um ônibus, por exemplo, mas jamais trocando figurinhas com quem quer que seja. É uma atividade silenciosa, pessoal, quase íntima. Talvez a mais íntima das artes. É a mais básica dos métodos comunicativos, pois basta a vontade de um emissor e de um receptor, duas pessoas apenas, que 50% do evento já está bem encaminhado.
          Segundo Matthew, uma espécie de contrasenso. Apesar de ter adotado o Brasil de coração, sua percepção de mundo ainda possui traços da terra-natal, os Estados Unidos. Talvez um lugar do mundo onde é bem improvável que um povo muito ruidoso (como é o caso do brasileiro) seja lá afeito a atividade tão íntima e silenciosa.
          O brasileiro gosta de bater bumbo. Não há aqui qualquer sentido perjorativo na colocação. É uma fato cultural e pronto. O brasileiro é orgulhoso da sensualidade de seus corpos, do futebol que joga, de ser alegre e (ainda que seja uma baita de uma falácia) cordial, tranquilo e calmo. Um povo amigo e pacífico. Bastou três séculos de uma falsidade ideológica e o estrago está feito.
          O Brasil é país onde as pessoas sabem viver bem. Da bossa-nova com lindíssimas mulheres desfilando na praia com minúsculos trajes de banho. País-Sorriso. Mais 50 anos insistindo nisso e o próximo prêmio Nobel para um autor de língua portuguesa vai parar em Angola ou Moçambique. E isso são olhos de quem nos vê do lado de fora. Inclusive dos suecos, logo eles, que, de uma forma ou de outra, decidem quem leva o prêmio ou não.
          Dá até para imaginar a academia sueca reunida para decidir quem será o agraciado: Prêmio Nobel para um autor brasileiro? Aaah… Não vamos perder tempo com isso…
          Explicar para um intelectual sueco que não, não somos um povo bonzinho, que não sorrimos o tempo todo, que somos um povo violento pacas, que finge ser cortês e pacífico (historicamente, pergunte a um paraguaio), um lugar forradíssimo de favelas onde certamente a vida não é boa e se toca funk carioca ou rap, hip-hop, vai por mim, é trabalho de vulto.
          Tentar fazê-los entender que tivemos Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, que a lendária banda de rock Legião Urbana foi capaz de fazer um primor de canção como Feedback Song for a Dying Friend é a sutileza das sutilezas. Depois da porta arrombada, faríamos o que? Como reverteríamos o quadro nos mostrando forrados de selos e casas editoriais, tradutores, revisores, poetas, contistas, cronistas, de várias nacionalidades e matizes?
          O que é pior (e isso, sim, é que mata e mostra o quanto não somos tão bonzinhos assim): não basta dizer que não gosta disso ou daquilo. Tem que bater forte, fazer pouco caso, humilhar. Não basta dizer que não gosta de funk carioca. Tem que bater pesado, fazer piada, botar abaixo de barata. E de preferência deixar bem claro que o funkeiro é um incivilizado, um pobre coitado, sem o verniz da erudição escolar e escolástica. Um juízo de caráter por conta do que canta, do conteúdo da obra. Não basta dizer que você não gosta do Paulo Coelho. O posicionamento precisa vir acompanhado de algum tipo de ataque frontal à pessoa do autor, seu caráter.
          Diante disso, como fica a cabeça de um sueco? Como ele concede um prêmio Nobel de literatura para um autor de um país onde a própria cultura é aviltada e atacada, sem dó, nem piedade, pelos próprios agentes culturais e população em geral? Onde as pessoas não ficam somente no gostei/não gostei? Onde a obra em questão é usada para atacar a moral do autor dela?
          Id est, já podeis, filhos da pátria, perceber que talvez sejamos um povo que não sabemos nos comportar de forma, no mínimo, razoável. E quem não se comporta direito, já sabem: fica sem a sobremesa. Não haverá, tão cedo, docinhos caramelados da geladeira depois do jantar.