Ana é uma banana legal: além de não ver a hora de comer o macaco, detesta auto-publicação

19 01 2013

O editor André Schiffrin

Vi, revi e ainda estou a rever a entrevista do escritor franco-americano André Schiffrin, antigo editor da Pantheon Books por 30 anos e atualmente na The New Press, casa editorial criada por ele a fim de driblar o estado de coisas que anda por aí. Vai da aula a um certo tipo de estarrecimento. E ao final da entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, São Paulo, uma triste sensação de que, no brejo, só o chifre da vaca (quando muito!) está do lado de fora.

A entrevista dá pauta para posts e mais posts. Para não encher a paciência, às vezes curta, do(a) leitor(a), abordarei a primeira grande questão contida no primeiro bloco do programa: a auto-publicação.

Foi o único ponto que discordei do entrevistado. Até mesmo porque ele, Schiffrin, utilizou o recurso de abrir sua própria editora para que, mais a frente, não presenciasse seus livros barrados por outras casas editoriais. Ainda que isso não seja considerado, fundamentalmente, auto-publicação, a linha entre a abertura da própria editora, independente dos nobres motivos que fizeram Schiffrin sair do lugar, e a auto-publicação começa a ficar bem tênue.

Ninguém é maluco de dispensar, na cara dura, a experiência de um editor como André Schiffrin, nem tampouco considerar o trabalho de um editor dispensável. Tanto que os autores possuem um grupo de primeiras leituras, que de certa forma atuam como orientadores daquele que escreve.

Eis, assim, o primeiro grande questionamento: estariam todos os editores na envergadura de um André Schiffrin? Pior, estariam os editores inclinados a fazer um trabalho de mediação entre o autor e sua obra como fazem os(as) primeiras leituras? Ainda que essa mediação não seja tarefa de absolutamente ninguém dentro de uma casa editorial, qual seria, então, a atuação do editor e assistentes nesse novíssimo mundo que se descortina dentro do mercado editorial?

Porque a impressão que se tem, do lado de fora, de quem está em uma das duas pontas da linha (escritores e leitores), é que nas editoras não se lê sequer bula de remédio para conhecimento da posologia e contra-indicações. Sem o exagero do enunciado anterior, estariam os acionistas de casas editoriais internacionais, nessas mergings malucas que hoje pegam em cheio o Brasil, fazendo um mal danado à paz e ao sossego necessários para a devida produtividade dos editores?

A auto-publicação empesteia o mercado? Sem a menor sombra de dúvida. Só que com esse samba-lê-lê que temos nos dias de hoje, quem deseja encontrar seu público faz o que? Senta e chora? Vai à igreja e ora? Aguarda a intervenção divina? Sai correndo beijando o anel do senhor-contratador e fica em casa esperando que um peso-pesado dos livros estenda o tapete vermelho para que o escritor em questão entre pela porta da frente?

Sem a auto-publicação, não encontraríamos boas obras como a de Ricardo Carlaccio, Um Brinde em Copos de Plástico, Renato Negrão com o seu Vicente Viciado, ou Abismo Poente, de Whisner Fraga, nem seríamos felizmente pegos de surpresa por nomes como a de Antônio Xerxenesky e Javier Arancibia Contreras. Se os citados esperassem a efeméride das cônjuges dos editores não dormirem de calça jeans ou o alinhamento dos astros, como nós, leitores, ficaríamos?

A auto-publicação é essencial para o surgimento do novo. Sem a auto-publicação não há renovação, o escritor não encontra o público que está esperando seu toque. Ainda que o número de novos títulos seja colossal, não acho de bom tom proibir o folião de aproveitar os festejos de mômo. E se não tem bloco para brincar, que faça o seu (como fez André Schiffrin)!

Se há escritores iniciantes, aqueles que ainda tem muito o que aprender, não haveria igualmente os editores iniciantes, que quando o assunto é poética e/ou prosa de ficção se atrapalham demais? O errado nessa jogada só são o escritor, sempre ruim de serviço, e o leitor, com os dedos engordurados de sacanagem requentada de cinquenta tons de alguma cor? Somente eles são os responsáveis pelo descalabro que estamos presenciando por aí? Mais ninguém?! Os meeiros do mercado editorial vão para o céu, então?!

Seria o caso da falta de coragem dos meeiros, só indo de boa quando sai o dinheiro dos Facults, ProAcs e similares, o famoso risco-zero?! Casa editorial e livraria tem realmente de crescer 15% ao ano? Há tanta necessidade disso? No meu corpo-a-corpo com escritores e leitores, uma coisa posso garantir: ambos estão dando a cara a tapa! As duas pontas da linha não andam com muito medo de cara-feia.

A Ana é uma dessas bananas que também acham que tem muito ibope para pouca programação. Mas como não vê a hora de comer o macaco, pouco se lhe dá esse lance de renovaçãopoesiaprosa de ficção. Tudo isso, para ela, é um saco! Não é à toa que ela deteste auto-publicação. É de se saber o que ela fará quando tanta repaginação bater a sua porta.

Leia também: Ana é uma banana legal! Um dia, ela comerá o macaco!

Veja a íntegra da entrevista:





Ai, aaaaiii, aaaaaaiiiiii… Os referentes…

28 04 2012

Sinceramente, às vezes fico meio atônito diante de certas celeumas, tendências, ou seja lá o nome que se possa dar a certas discussões que aparecem na vida da gente.

No campo da literatura atualmente, há uma discussão meio deslocada, em geral sedimentada em teóricos que no século XXI já soam bem meia-boca, mas que, por causa da parca instrução costumeira de nossa inteligência brasileira, continuam fazendo sucesso. É muita gente distraída.

Em breve, teremos que baixar os glúteos na seringa e ver que os grandes nomes do século XX, na verdade, não eram tão bons quanto a gente imaginava. E ainda tem gente que emplaca doutoramento citando os falecidos. Ruim os doutorandos, ruim a universidade. É, a nova intelectualidade brasileira respira por aparelhos. Muito próximo da morte encefálica. Aliás, encefálica? Não foi à toa que o Supremo votou sobre interrupção da gravidez em casos de feto anencéfalo. Se valesse para os que estão respirando agora, haveria uma penca de gente na fila.

Maldades à parte, e tentando imprimir o mínimo de seriedade em um assunto que já não deveria ser levado tão à sério assim, alguém poderia me explicar o retorno dessa mania que, mesmo depois de tantas voltas que o mundo deu, deveria estar para lá de sepultado (ou, pelo menos, resolvido)? Por que ainda gastamos tempo com o velho assunto realidade e ficção?

Afinal de contas, esse assunto não deveria estar para lá de esgotado? Para que gastar tanto tempo precioso num assunto chato e que já deu o que tinha de dar?

Roland Barthes não decretou a morte do autor? Maurice Blanchot e Michel Foucault não especularam sobre a experiência do fora? Qual é o problema agora? Por que essa empulhação de novo em querer encontrar na vida pessoal do autor, em suas experiências passadas, a explicação de uma obra?

Por que essa eterna mania de servir o leitor com o livro, acompanhado de uma bula, guia, sabe-se lá o que, para explicar o que está escrito, para que o texto faça algum sentido ou tenha algum significado? Achei que tanto os leitores quanto os críticos já tivessem passado da fase oral. Achei que todo mundo já estivesse curtindo o tecido verbal e como o autor trabalhou a trama desse tecido. Qual é o problema agora?

O primeiro problema que vejo é que esse tipo de abordagem, esse tipo de discussão, dá uma chance enorme e danada para um plêiade de orelhudos arrotarem uma erudição que tenho lá minhas dúvidas. Como diz o Ademir Demarchi: de novo, o delírio da crítica. Pior do que o delírio, esse tipo de assunto é papel para cupins. Acaba atraindo gente rasa como um pires ocupando espaços de quem deveria ser do ramo.

Não, não há a menor necessidade de um autor ter vivenciado um universo específico para falar sobre tal assunto. Duvido que 80% dos autores que escreveram um romance de guerra tenham sequer empunhado uma arma de fogo. E nem por isso. Suas obras são de grande quilate, bem escritas, verossímeis e dignas de premiação em certos casos. Também não há o menor cabimento de um escritor se tornar um serial-killer por uns 4, 5, 6 meses a fim de caracterizar com rigor de veracidade um determinado personagem.

É óbvio que o olho que processa aquilo que se testemunha é único. Entendo que não se pode retirar do autor seu traço de personalização daquilo que vê. E não é esse o caso. Não se trata de colocar o autor para escanteio, nem de renegar a um segundo plano o autor ser humano. E é aí que reside a graça do negócio. A minha história de guerra será diferente de qualquer outro escritor. Será diferente da escrita pelo Ademir Demarchi, pelo Marcelo Ariel, pelo Manoel Herzog…

O meu olho é brasileiro. Por mais que vivencie uma realidade estranha ao meu habitat, ao meio meio de vida, captarei o diferente por esse olho que é meu: brasileiro, santista, meia-idade, masculino, oceânico, bilingue. Diferente de qualquer outro autor e esse é o tempero especial que cada um possui.

Posto isso e também a questão de que não há a menor necessidade de se vivenciar certas coisas (algumas delas bem escabrosas e abjetas), resta ao escritor algo de suma importância e que todo mundo já conhece (daí a perda da importância dessa discussão realidade e ficção): remeter-se ao referente.

É a habilidade de um autor remeter-se a um determinado referente que faz de uma obra especial. Ainda que o escritor tenha um ponto de partida dentro da realidade onde está inserido, jamais conseguirá um amplo domínio, um domínio total do assunto em questão. Logo, ele se remeterá a partes desse todo para garantir a verossimilhança de determinados trechos da obra e a agradabilidade diante de seu leitor. E estamos conversados.

Vasculhar na vida do autor algo que dê sentido à obra ou justifique certas passagens de um romance, de um conto, é uma tremenda empulhação. É afastar o leitor do livro, justificando a debilidade de uma obra ou de um escritor pela presunção de que a ficção é um ente menor do que a realidade quando os dois estão em pé de igualdade. É fustigar a chaga determinando que quanto maior for a correspondência daquela ficção com a realidade, melhor será a ficção.

Em suma: um tremendo desserviço. É insistir na decretação da inferioridade ficcional, de que ficção ou é obra menor ou simplesmente não existe. Mas é claro que ela não existe. Caso contrário, não seria chamada como tal. Entretanto, isso não significa que a prosa ficcional fique terminantemente reduzida a quanto ela pode ter de realidade.

A força da prosa ficcional está, inclusive, na habilidade de um autor se remeter a um referente que também é criação do próprio escritor, fruto da força e possibilidade criativa de quem tece o texto. Até mesmo o referente não precisa ser necessariamente um produto do meio, um ente real, concreto, corpóreo, com quem convivemos, almoçamos juntos ou tomamos café num fim-de-tarde. Não há teoria literária, sequer lei, que obrigue um escritor a somente se remeter a um referente que seja de carne e osso, que podemos encontrar a qualquer momento andando na rua.

A graça da prosa de ficção está aí: na oportunidade de se remeter a um referente pertencente a um mundo real ou não. Há amplas e quase infinitas possibilidades do autor se remeter a referentes que nada mais são do que criações suas também. Se há a graça na confusão entre realidade e ficção, a ausência dessa confusão é tão possível, saborosa e agradável quanto.  Portanto, façam-me o favor de deixar autores e leitores em paz que todo o resto se acerta, se ajusta.

Porque futucar vida de escritor na esperança de produzir uma bula para a leitura de uma obra torna a literatura um dolorido pé-no-saco. Não é à toa que leitor no Brasil anda fugindo de livro, de escritores e de todo universo literário. Lá vem aqueles caras arrogantes e chatos para cacete. É por essas e outras que entendo o desejo do Ariel em gravar um disco de sambas.





Sabe quanto custa?

13 03 2012

Concordo plenamente que atrelar a criação artística tendo em vista viabilidades comerciais das peças em questão é um péssimo conselheiro. O ato da criação é livre. É tudo que se pede. Criar sob ou pensando em amarras tão venais acaba que todo potencial de uma obra se perde por tentar agradar dois amos.

Toda obra, de um jeito ou de outro, quando atinge seu objetivo de “forma da Conformidade a Fins de Objeto, na medida em que é percebida nele sem representação de um fim” (Kant), torna-se perene, transcende. A intenção de uma estética através do uso de uma forma e de uma linguagem (no caso da literatura), sem ter um fim por finalidade e completamente desinteressada (o que, num primeiro momento, geraria uma contradição inicial) é a graça do artista. Ou seja, se numa hora dessas, com todos esses pratos para equilibrar (inclusive o da contradição), o artista fica com a cabeça no quanto vale o show, já sabe que vai ter muita louça se espatifando no chão.

Só que uma vez a obra de arte materializada, dois destinos a escolher: gaveta ou público. No caso da gaveta, o custo é zero. Agora, se há intenção de mostrar tal materialização da criatividade para, ao menos, um pequeno grupo de pessoas, já se sabe que esse impacto da operação trará certas despesas, certos custos.

Se há custos para colocar a obra de arte à disposição do maior número de pessoas, termina-se aqui, e assim, o discurso da criação livre. O ato criativo, volto a repetir, nada deve ter de pecuniário, nem por detrás, nem em seu alicerce, nem como motivo. Só que a materialização da criatividade (a peça em si) só terá serventia se alcançar o maior número de gente.

Eis o cadafalso da arte: a corda vai ao pescoço e o chão se abre. A difusão do que foi criado tem custos financeiros, sim. Nem relógio trabalha de graça. Há uma logística e disposição humana em torno da peça que não escapa da cobiça e que não encontra outro motivador que não seja o vil metal.

Acompanhar de perto o processo de um manuscrito virar um livro não necessariamente abriu meus horizontes, mas me tornou uma espécie de abutre, o comedor de carniça aguardando a falência de algum ser vivo. E geralmente a falência desse ser vivo reside num discurso até oportuno, mas sem o menor dedo de maior reflexão quanto ao pós ato criativo. Chega a ser engraçado, como se o ser humano (incluindo os artistas) vivesse de brisa.

Se creio que o ato criativo não deve ser pautado absolutamente por qualquer traço de pecúnia, também não acho justo que a peça artística resultante desse ato não atenda as exigências de custo que todo objeto nesse mundo possui. Como também não acho justo limar o artista que, lá pelas tantas, decidiu viver de sua atividade artística.

Não acho justo severas críticas aos artistas que optaram em fazer de seus nomes uma marca. Porque até mesmo os puristas, quer gostem do fato ou não, acabam se tornando, mesmo que de forma muito inconsciente, uma marca. Isso mesmo: uma marca! Feito um objeto de consumo, aquele mesmo produto enfiado num mercado consumidor. Não acho justo, lá pelas tantas, virarem os obuzes da pureza criativa e do bom-gostismo para cima de artistas como Adriana Varejão e Beatriz Milhazes que decidiram passar as últimas duas décadas batalhando em várias frentes a fim de gerar uma reputação pública. Reputação que, aliás, nada interfere ou interferiu no ato criativo e na qualidade da obra dessas duas artistas.

É cansativo ver discursos sobre a transcendência da obra artística, que jamais deve ceder às promessas fúteis do dinheiro (no que eu concordo plenamente), e se esquecer que, depois de pronto, esse ato criativo materializado nada mais é do que um manuscrito a espera de se transformar em cópias. É justamente essa transformação que tem um custo prático que muitos artistas, sabe-se lá porque, gostariam que não existisse.

Pois bem, aos fatos, então: se a logística da transformação de uma manuscrito em cópia não pode contemplar regras de mercado, acredito, assim, que os artistas não devem, em hipótese alguma, ser remunerados por aquilo que criaram. Acho muito válido o discurso criaçãoXconsumo, mas levar tal discurso a cabo implica em renúncia de se viver (ou ser pago) por aquilo que se criou. Nessa, até o Ecad perderia efeito, provavelmente.

A prática desse discurso criaçãoXconsumo implica na pureza em excesso: só seria realmente artista aquele que tivesse qualquer outra profissão que não fosse a de artistaescritor, e que dela tirasse seu sustento e financiasse as edições e reimpressões de sua própria obra. Uma espécie de Moacir Scliar em início de carreira. O discurso estaria validado, nesse caso, finalmente.

Agora, demandar de uma casa editorial linha de investimento numa obra literária e tirar da editora o direito de tratá-la como produto a ser inserido no mercado por causa desse discurso de não contaminação do ato criativo pela pecúnia, não sei o que é pior. Soa como deboche, provocação vazia, ladinagem, malandragem. Seria o caso, então, de se eliminar de vez as leis de renúncia tributária e os concursos públicos de fomento às artes, bem como ações pontuais das respectivas secretarias de cultura?

O que mais dói nisso tudo é que esse discurso, graças ao advento da grande rede e das redes sociais, virou bandeira de alguns, uma espécie de esperto marketing pessoal, um tipo de cabotinagem da essência artística. Vira discurso de efeito, provavelmente para impressionar pessoas e aplacar as demandas de uma alma egocêntrica. Às vezes, gostaria de estar vivo para testemunhar até onde essa falta de fôlego dissertativo vai parar.





Fagocitose

16 02 2012

Beatriz Rezende alerta: a formação de guetos pode ser tremendamente prejudicial à literatura.

Funciona mais ou menos como na música do Saia Rodada, eu te puxo e tu me lambeEu te elogio e você me dá uma força. É uma coisa meio estranha, ou esquisita, mas a realidade entre os artistas do texto está cada vez mais assim: ação entre amigos.

Diz o ditado popular que quem tem padrinho não morre pagão. A pergunta é até onde isso vale, até onde vai isso.

Pode parecer estranho pacas, mas a formação de guetos tem muito por trás a velha máxima de efetivar a arte de produzir efeito sem causa. São várias as indagações, como, por exemplo, até que ponto autores estão, por detrás da confecção de seus textos, querendo colo e afago?

Até que ponto a preocupação é com o elogio e tapete vermelho? Estranho? Pode até ser um exagero de minha parte, mas a quantidade grande de autores muitas vezes esconde ou camufla certas questões que deveriam ser mais artísticas, ou pelo menos mais técnicas.

Id est, se a banda continuar nessa toada, começaremos a reparar que tem muito espertalhão que por conta de um excelente marketing pessoal, aparece nos cenários dito artísticos e culturais como escritor, mas uma abordagem mais precisa, aquela boa e velha hora de espremer o texto do sujeito, e não vai sobrar muito para contar a história.

Ou seja, é compreensível a preocupação de Beatriz Rezende: os guetos são forma de proteção, ora do ego, ora da pessoa pública do escritor, de uma observação mais técnica, precisa e detalhada do que foi escrito, de fato. Caberia, assim, a boa e velha máxima de que o nome valeria mais do que a obra.

Independente do que seja, muito do que se fala da falência do discurso literário meio que se deve ao excesso: de textos, de autores, edições e por aí vai…

Mas o excesso não deveria ser considerado algo ruim. Sempre é bom textos à vontade. Só que no meio dessa imensidão talvez haja uma preocupação grande com o tapete vermelho e o tecido verbal fica para segundo plano.

Fica, assim, a dúvida sobre essa tal falência. De repente, ela não existe. O que existe, talvez, seja uma quantidade de gente preparada para tal, de ambos os lado da mesa.





Brasil: o país do tambor.

11 11 2011

          Que a língua portuguesa é uma língua de cultura, não gastemos tempo para provar o contrário. Pode gozar do mesmo prestígio do dinamarquês, do galês, do croata, do eslovaco. Isso são outros quinhentos. Que o Brasil produziu grandes nomes da literatura universal, também não gastemos muito tempo com isso. Um país que teve João Guimarães Rosa não é um país qualquer quando se trata de literatura.
          Mas, então, porque diabos o Brasil jamais teve um de seus autores laureado pelo prêmio Nobel de literatura? Se temos grandes escritores (como a internacional Clarice Lispector) e grandes obras literárias, porque vizinhos como Peru, Colômbia e Argentina já foram agraciados com tamanha honraria e nosso país ainda não?
          É uma investigação muito complexa e, consequentemente, difícil. Qualquer coisa que se diga sempre ficará soando como pretensão, sempre uma análise incompleta e incorreta do que realmente somos. Para piorar: num processo constante de juventude e mudança coloca qualquer item que se discorra aqui como o mais fino exercício do palpite, da orelhada.
          Lembro da 1ª Tarrafa Literária, numa mesa mediada por Vladir Lemos que contou com Xico Sá e Matthew Shirts, chefe de redação da revista National Geographic Brasil e hoje cronista da revista Veja. Uma observação pertinente de Matthew naquela mesa: literatura e leitura são atividades para dentro, são atividades em que os indivíduos podem executar de forma coletiva, mas nunca conseguem se desgrudar do caráter solo que esse ramo artístico possui. Em geral, quem lê o faz em silêncio. Pode até fazer em ambientes coletivos, como dentro de um ônibus, por exemplo, mas jamais trocando figurinhas com quem quer que seja. É uma atividade silenciosa, pessoal, quase íntima. Talvez a mais íntima das artes. É a mais básica dos métodos comunicativos, pois basta a vontade de um emissor e de um receptor, duas pessoas apenas, que 50% do evento já está bem encaminhado.
          Segundo Matthew, uma espécie de contrasenso. Apesar de ter adotado o Brasil de coração, sua percepção de mundo ainda possui traços da terra-natal, os Estados Unidos. Talvez um lugar do mundo onde é bem improvável que um povo muito ruidoso (como é o caso do brasileiro) seja lá afeito a atividade tão íntima e silenciosa.
          O brasileiro gosta de bater bumbo. Não há aqui qualquer sentido perjorativo na colocação. É uma fato cultural e pronto. O brasileiro é orgulhoso da sensualidade de seus corpos, do futebol que joga, de ser alegre e (ainda que seja uma baita de uma falácia) cordial, tranquilo e calmo. Um povo amigo e pacífico. Bastou três séculos de uma falsidade ideológica e o estrago está feito.
          O Brasil é país onde as pessoas sabem viver bem. Da bossa-nova com lindíssimas mulheres desfilando na praia com minúsculos trajes de banho. País-Sorriso. Mais 50 anos insistindo nisso e o próximo prêmio Nobel para um autor de língua portuguesa vai parar em Angola ou Moçambique. E isso são olhos de quem nos vê do lado de fora. Inclusive dos suecos, logo eles, que, de uma forma ou de outra, decidem quem leva o prêmio ou não.
          Dá até para imaginar a academia sueca reunida para decidir quem será o agraciado: Prêmio Nobel para um autor brasileiro? Aaah… Não vamos perder tempo com isso…
          Explicar para um intelectual sueco que não, não somos um povo bonzinho, que não sorrimos o tempo todo, que somos um povo violento pacas, que finge ser cortês e pacífico (historicamente, pergunte a um paraguaio), um lugar forradíssimo de favelas onde certamente a vida não é boa e se toca funk carioca ou rap, hip-hop, vai por mim, é trabalho de vulto.
          Tentar fazê-los entender que tivemos Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, que a lendária banda de rock Legião Urbana foi capaz de fazer um primor de canção como Feedback Song for a Dying Friend é a sutileza das sutilezas. Depois da porta arrombada, faríamos o que? Como reverteríamos o quadro nos mostrando forrados de selos e casas editoriais, tradutores, revisores, poetas, contistas, cronistas, de várias nacionalidades e matizes?
          O que é pior (e isso, sim, é que mata e mostra o quanto não somos tão bonzinhos assim): não basta dizer que não gosta disso ou daquilo. Tem que bater forte, fazer pouco caso, humilhar. Não basta dizer que não gosta de funk carioca. Tem que bater pesado, fazer piada, botar abaixo de barata. E de preferência deixar bem claro que o funkeiro é um incivilizado, um pobre coitado, sem o verniz da erudição escolar e escolástica. Um juízo de caráter por conta do que canta, do conteúdo da obra. Não basta dizer que você não gosta do Paulo Coelho. O posicionamento precisa vir acompanhado de algum tipo de ataque frontal à pessoa do autor, seu caráter.
          Diante disso, como fica a cabeça de um sueco? Como ele concede um prêmio Nobel de literatura para um autor de um país onde a própria cultura é aviltada e atacada, sem dó, nem piedade, pelos próprios agentes culturais e população em geral? Onde as pessoas não ficam somente no gostei/não gostei? Onde a obra em questão é usada para atacar a moral do autor dela?
          Id est, já podeis, filhos da pátria, perceber que talvez sejamos um povo que não sabemos nos comportar de forma, no mínimo, razoável. E quem não se comporta direito, já sabem: fica sem a sobremesa. Não haverá, tão cedo, docinhos caramelados da geladeira depois do jantar.





Obrigações matrimoniais

14 10 2011

          Acho engraçado isso: após assinar os papéis do casamento, no civil, se um dos cônjuges não cumprir com alguns dos itens lá relacionados, coisas acontecem. Desde o fim do contrato até coisa pior (uma sub-versão dele). Ninguém fica satisfeito, ninguém fica feliz. Entretanto, quando o assunto é mercado editorial, voltamos a ver fantasmas ao meio-dia e ouvir vozes depois das 22 horas.

          Deus é testemunha que sou um defensor do do-it-yourself. Se tem alguém que pensa e acha que o escritor não pode ficar refém de uma espera interminável para uma publicação, esse alguém sou eu. Do fundo do coração, sou tremendamente favorável que o autor procure a melhor maneira de viabilizar a publicação e/ou trazer sua obra para o público (seja qual for o tamanho). Apenas penso que isso deveria ter em sua raiz o bom e velho for free and for fun. Que isso deveria ser, acima de tudo, divertido para o autor e o público.

          Porém, quando a publicação é uma forma de dar vazão a egocentrismos distorcidos e pressionar um mercado com seus próprios códigos e procedimentos, seria bom o(a) escritor(a) em questão repensar um pouco sobre o que é (ou deveria ser) literatura.

          Vivemos tempos difíceis. Sei disso. Tempos que transformaram o então famoso e charmoso marketing pessoal em um cabotinismo sem par. Egos inflados e mentes doentes quase sempre são nitroglicerina pura. Vivemos tempos difíceis, eu sei. Tempos onde os meios dão uma enorme atenção a tudo que é tóxico. E, ainda por cima, tentam quase que a todo custo enfiar goela abaixo de que isto é um valor dos tempos modernos, de que isso é bom pacas.

          Publicar nada mais é do que levar ao público. Só isso. Não é a tábua de salvação de uma carreira, não é um cafuné, não é prova-de-honra, não é a defesa de uma tese que tenta provar que essa ou aquela pessoa é indispensável artisticamente.

          Quando publicar se torna uma mecânica de defesa a qualquer tentativa de edição, a deterioração atinge seu grau mais avançado. Simples: com as recentes possibilidades de prensagem em quantidades reduzidas, praticamente qualquer um pode publicar o que quiser. Se na primeira leva as duzentas cópias são vendidas, logo o público, um ente soberano, referendou a qualidade daquele(a) escritor(a). E partir desse ponto em diante, ai do editor que venha com qualquer tipo de sugestão nas obras seguintes.

          É o famoso todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer. Quem senta do outro lado da mesa acaba não curtindo muito esse tipo de postura. Casas editoriais costumam deter CNPJs, impostos a pagar e toda sorte de encargos vencendo mês após mês. É impossível um editor não pensar no texto como um produto a ser adquirido. Ainda que o pensamento esteja vibrando na mesma frequência de onda da qualidade artística de um texto, com tantas contas a pagar, fica complexo não considerar a viabilidade comercial de uma obra.

          Se o lance é ser independente, sejamos independentes all the way. Utilizar um eventual sucesso inicial como instrumento de pressão contra qualquer tipo de flexibilização é fazer de qualquer projeto primeiro e único. Certamente o editor não vai querer repeteco. Pensará duas vezes antes de partir para uma segunda empreitada na base da pressão.

          Simples: se determinado autor já vendeu suas duzentas, quatrocentas cópias, que permaneça no do-it-yourself e seja o que Deus quiser. Agora, uma vendagem nessas condições justificar um baita tapete vermelho, entrar na casa editorial pela porta da frente, onde vale sequer passar pelo processo de edição, sei não… Fica esquisito pacas. Isso sem contar a gigantesca legião de autores que não possuem uma leitura mais crítica do que fazem, aquele leitor mais atento que evita cochilos e viagens onde só o escritor goza. Mais ninguém.

          A possibilidade de publicação não deveria jamais ser uma massagem no ego. Deveria ser um ato de comunicação, um contar uma história. Ainda que solta em estética particular e elaborada, deveria ser uma celebração do e com o público, não um ato vazão de si próprio. Penso que não foi para isso (um ato de vazão de si próprio) que o livro foi feito. E livro nenhum oriundo de uma casa editorial foge à necessidade de se transformar num produto, ou desrespeita os códigos, ritos e convenções do que é chamado mercado.





Escola de Escritores (ou as Letras Atrapalhadas)

23 08 2011

          Quis a sorte (ou o azar) de gostar de idiomas estrangeiros e bater com os costados na área de tradução. Vocação? Sim. Só que o prazer de trabalhar nessa área é maior do que a vocação. Jovem, 18 anos, não quis meter as caras na capital estadual, até mesmo porque não tinha onde cair morto (não que hoje em dia esteja absurdamente diferente, mas minha atividade como professor de inglês na época custeava a faculdade sem sobrar muito sequer para o guaraná). Não, não nasci em berço esplêndido.

          E, assim, começou a viagem pela técnica dentro da arte. Linguística, linguística aplicada a ensino de idiomas, linguística aplicada à tradução, teoria da literatura, literatura comparada, literatura portuguesa, literatura brasileira, literatura inglesa, literatura norte-americana, técnica e teoria de tradução, monitoria, livros, livros e mais livros. O curso estava bem no início e nossa sala de aula ficava na biblioteca central, numa salinha, uma espécie de aquário.

          Quando faltava uma ou outra professora, enfiávamos a cara nos livros. De Woody Allen à Noam Chomsky, de Dionélio Machado à Shakespeare. Dois anos dentro de uma biblioteca. Livros, livros, livros… Antônio Candido, Herald Bloom, Saul Bellow, Balzac, Eça… Até a versão em quadrinhos de A Queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe, a gente lia. Ainda que preferisse as heroínas de Millo Manara.

          Quatro anos dentro de um curso de Letras traz uma garantia: não há consenso. Se a humanidade até hoje enfrenta seríssimos problemas para o estabelecimento de um juízo estético fácil, ágil, amplamente aplicável, seguro, definitivo e perene, o que dizer quando me fazem a pergunta: o que é literatura? O que é literário? O que é e o que faz um escritor ser um escritor? Qual o elemento fundamental que torna aquele ser humano escritor e os demais não?

          O que faz um relato (comum em textos de grandes reportagens, no texto jornalístico) não ser considerado literatura? Por que somente o texto denso pode ser considerado literatura e um outro mais simples, bem mais raso, não? Qual é o juízo estético que norteia o que é literário ou não? Qual(is) o(s) elemento(s) que concretamente provam que um determinado livro é literário? Crônica não é literatura? Ensaio não é literatura? Macbeth, de Shakespeare, sim; Fazenda Modelo, de Chico Buarque, é excrescência?

          Um dos grandes teóricos da tradução que o mundo já produziu foi Eugene Nida. Não, caro(a) leitor(a), ele não fez quatro anos de bacharelado em Letras ou Tradução. Ele simplesmente comandou equipes e mais equipes que traduziram os evangelhos. Seria ele um tradutor? Ou não, porque traduzir os evangelhos não vale? Só valeria se tivesse traduzido Joyce. Sim? Não?

          Fico imaginando o Ministério do Trabalho só permitir escritores com diploma de Letras. Imagino Balzac nas carteiras de uma faculdade para se tornar um escritor (ou pelo menos ter permissão para). Já adianto uma coisa para você, meu/minha caro(a) leitor(a): a literatura seria um troço chato pacas. Literatura com carimbo do MEC. Sei lá, perde o ímpeto, sabe?

          A graça do negócio está na diferença. Entre o frio e o quente, entre o raso e o profundo, entre o simples e o sofisticado, entre a ficção e a não-ficção. Há todos os tipos de leitores, há todos os tipos de escritores, há todos os tipos de livros, há todos os tipos de literatura e escolas literárias. Há pessoas mais talentosas do que outras? Há. O problema é estabelecer um índice de talento e competência quando o assunto é arte. Mas há um cenário pior: mesmo sem um consenso em torno de um juízo estético, você, meu/minha caro(a) leitor(a), perder seu livre-arbítrio de se mover por causa de um livro que você quis ler ao se deixar guiar pelas primeiras posições do tal índice de talento e competência.

          Portanto, meu/minha caro(a) leitor(a), relax. Take your time. Pegue o livro de sua preferência, aproxime-se do autor que você mais gosta e aproveite o resto dos dias que ainda lhe resta.





Um café com Ariel in paradisum panis

13 08 2011

          Não, Ariel. Não me deixe escolher a padaria onde beberemos café. Vamos naquela de sempre, que responde pelo pomposo nome de Paradisum Panis, no meu parco e ridículo latim. Ridere, lembra?! Aquela padaria que fecha mais tarde do que as demais, com aquelas cadeiras cibernéticas de alumínio, frias, onde o café é humilíssimo diante daquela variedade de licores. Desvio de função? Não, Ariel. O pão está lá, naquele preço de sempre, bem diferente da água que custa os olhos da cara, aquela cerveja que está pela hora da morte.

          Não, Ariel. Amar uma mulher até o osso, lamento. Só se ela deixar. O relacionamento é a seara de qualquer fêmea. Elas mandam. Não vá pensando que você vai chegar lá com toda sua ginga e vai cavá-la até chegar no fêmur, no ilíaco. Se ela deixar, bem. Caso contrário, amém. Volte para casa e abra o seu livro. Mas, por favor, Crítica da Razão Pura, não… O absenteísmo dos princípios metafísicos da doutrina da virtude é que assolam nosso sonho de arte, nossa utopia da escrita artística. Como? Não, não, essa mania do brasileiro falar francês. Já te falei para esquecer metafísica em língua neolatina. O que pega é a de língua anglo-saxonica, germânica, nórdica. Aquela que não conseguimos sequer pronunciar o nome direito.

          Você sabe por que ele não tem tradição? Porque ele não tem utopia. Simples: não se sai do ponto A sem tentar chegar no ponto B. A curtição é o trajeto do passeio. Não, Ariel, presta atenção: as possibilidades, xará, as possibilidades!   Chatice seria todo mundo igual. Cada um deita na cama que tem em casa. É o que temos para hoje. Do que me adianta uma belíssima mesa de mármore para deitar em cima? Caixão não tem gaveta e mortalha não tem bolso. Se ele não tem tradição, problema é dele. Nosso é que não é…

          Assim, dúvido que você pagasse mais do que dez mil por um texto inédito de um autor desconhecido. Se Dostoiévski ganhou isso por uma obra-prima, há de se considerar que aquela era a primeira vez que ele conversou com seu editor. Ninguém ganha glória de uma peça artística a priori. Pára e pensa: todo mundo que hoje deita sobre os louros do júbilo já foi um tremendo desconhecido. Concordo, xará, concordo. Tem gente reivindicando Balzac e cobrando o dinheiro do busão (quando cobra). Ah, mas, aí, teria de rolar uma reserva de mercado, regras para que a categoria não queime o filme.

          O que eu acho engraçado é essa da ética vir antes da estética. Você não está nem aí para um juízo estético e agora quer que os demais se valorizem? Então, xará, pau que bate em chico bate em francisco. Essa de jogar para escanteio o leitor é uma furada gigantesca. Blanchot nem olha para a cara dos tradutores. É o precursor do Google translator.  Isso aqui é jogo: eu construo daqui, você constrói daí. Leitor dá a letra do outro lado da obra, dobra o vergalhão, calcula o concreto. Deus pai: a flecha atinge o alvo. Se o sujeito e objeto ficaram do lado de dentro, o fora é neutro. Ou seria o contrário? O duro é explicar isso para quem abre o livro e começa a degluti-lo. Olha, nada desse negócio de sujeito… Vai fazer coisa errada.

          Juro, xará, juro. Virei o livro da Tatiana do avesso, de ponta-cabeça. Não achei um Hume, um Humezinho sequer. Ah, não. Não vem com essa, não. Eu sei que ele é poeta, mas se vai enveredar nessa de teoria literária é melhor fazer o trem direito. É de um empirísmo sem par e nenhuma reverência? Quer falar do imaginário e nem aí para a imagem? Não, Ariel, já te falei que não há nada por detrás da imagem. Aquilo é signo, não é a coisa em si. Eu sei, não existe uma anterior a outra. Só que o grande pecado dos nosso tempos é achar que Saussure é cartilha de estudante de Letras. Não passa disso. Pois é, xará, veja o senhor: sem entender o signo linguístico, não sai nada do lugar. Essa mania que as pessoas têm em achar que o signo linguístico não vale para os demais. Então, olha só: o signo linguístico é arbitrário e convencional. E ainda teve a pachorra de colocar o leitor para escanteio. Como é que fica? Não, sou que estou te perguntando, como é que fica?

          Ah, sim, mas repare: o neutro é o sujeito e o objeto devidos. Percebe? Só que precisa combinar com os russos. Combinaram com os russos? Esses caras vão me deixar maluco! Mais do que eu já sou. Só que não posso escrever por fora e o leitor fica com aquela cara de meu conjuge saiu para comprar cigarro na eleição do Juscelino e até agora não voltou. O leitor fica com a idéia e vai intensificando até voltar a ser inegociável. Fossilizado, sabe?

          É por isso que eu te digo, xará: vamos fazer força para que a conta feche? Porque se voltar a ser impressão, meus pêsames. Ele fecha o livro na página trinta e sai por aí a maldizer um esforço. Poesia não é catarse. Aleluia! Vai cair pedaço em dar uma olhadinha no quintal do vizinho e ver o que outros anteriormente já falaram sobre esse assunto? A questão não é que ele não citou. O problema é que ele o ignorou. Não, Ariel. Ele se universalizou daquele jeito, como você mesmo disse: um rascunho. Mal engendrado pacas! Ele agora é kantianamente uma forma. É um processo quase irreversível. Inês é morta.

          Não, Ariel, há a possibilidade do autor escolher em que estado quer ficar. Age por convicção de uma crença. Se pedir para rever, ou revisitar, vai dar uma de distraído e dizer que não é com ele. Foi o doutor delegado que disse que se esse lance do neutro libertar a linguagem, vai levar todo mundo para a averiguação. Não, Ariel, vai sobrar para a linguagem. O patamo-mór me garantiu ser mister enquadrar a pobrezinha por ininteligibilidade.

          Não, Ariel, só tenho dois reais. Ruim de troco aí? Só um instantinho, deixa eu ver se tenho alguma moeda aqui. Olha, por tudo quanto é mais sagrado, não acreditei quando você me disse que essa mochila é a extensão do seu corpo. Maravilha! Já vi que ela também vai para debaixo do chuveiro pelo jeito.

          Então, essa parada do Mandarim é uma boa, viu? Acho que estou nessa. Vê direitinho como é que vai ficar e a gente conversa mais lá na frente. E se liga que até o osso é evento de vulto, entendeu? Se vai dar a maior mão de obra, o mínimo que estou a fim é de conforto. Sinceramente, não vou ficar de gaiatice em pedra de arrebentação, principalmente nesse frio que está fazendo. A gente se fala.

          Um abraço!





Um café com Ariel

12 07 2011
O poeta e escritor santista, radicado em Cubatão, Marcelo Ariel

O poeta e escritor santista, radicado em Cubatão, Marcelo Ariel

Vivemos sempre alternando. Day in, day out. Bola tem, bola não tem. As memórias valem tanto para momentos bons quanto para os ruins. O que escrevo aqui é raso, eu sei. Clichê, parca elaboração. Sábado passado foi um desses momentos felizes. Virei poesia. Olhos de poeta são assim mesmo. Sei lá, a visão além do alcance. Jamais me vi na posição, situação ou essencialmente poesia, sim! Foi uma prazer conhecer o Téo. Foi um prazer conhecer a Estrela. Não sei, posso estar me precipitando. Mas acho que finalmente encontrei uma escritora que não vê fantasmas ao meio-dia. Poesia não é catarse, viu cambada!

Não sei se é porque saí do buraco, mesmo que aos poucos, mesmo que aos trancos e barrancos. Uma recuperação lenta, gradativa. É bom encontrar pares. Os pares que me ajudam no meu reencontro. A percepção dolorosa de ter desperdiçado o que de bom havia em mim por conta de algo que só fui ter algum tipo de noção depois. É ótimo ter noção das coisas aos 20 anos. Porque aos 40, vale a máxima do antes tarde do que nunca. O problema é que nessa altura do campeonato, a minha agenda não é mais minha. Ficou presa no corpo que tenho. Só ele pode determinar o que eu realmente posso gostar de fazer.

Fazia tempo que não conversava com artistas como se estivesse na sala de casa, ou numa varanda de uma casa de campo, nas montanhas. Estávamos. A uma quadra da praia. A maresia bateu no nariz. Enfim, fazia tempo que eu não tinha interlocutores tão alegres quanto eu nesse último sábado. Guardei o sábado. Definitivamente. Esse e tantos outros. E acho que esse último sábado também me guardou. Eu, o Téo, a Estrela e o Ariel.

Ao final do lançamento de Poesia é Não, da Estrela Ruiz Leminski, veio o xará e me convidou para um café. Antes, recarregar os créditos do celular dele nas Lojas Americanas. Para aqueles que eventualmente colocam escritores e artistas em geral num pedestal quase sempre inverossímel. Voltamos pela Marechal Deodoro e lá na esquina com a Praça Fernandes Pacheco, achamos uma padaria quase perto de fechar. Invadimos. Importunamos os funcionários com duas inconveniências: nossos pedidos (um café puro e um pedaço de bolo de chocolate para mim, um café com leite para Ariel) e nossa incursão pela metafísica.

A ambição do poeta é a utopia? Ou seria o impossível? Pois houve felicidade numa discussão sobre metafísica, porque é ambição de Ariel a fusão da metafísica com a poesia. Como poesia é de meu paladar, mas não de minha especialidade, até achei que isso já havia acontecido. Fiquei ressabiado. A poesia já não se fundiu com a metafísica? Jurava que tal efeméride era coisa do passado.

O filósofo francês Gilles Deleuze (Paris, 18 de janeiro de 1925 – Paris, 4 de novembro de 1995), dizia que sua discordância com Kant vinha exatamente de sua admiração, aquela admiração do deslumbre. Segundo Deleuze, Kant foi o primeiro filósofo que entendeu o tempo não como uma cadeia circular infinita, de ciclos que começam e terminam, começam e terminam, começam e terminam. Antes de Kant, o tempo existia em função do movimento. Depois de Kant, o movimento só existe porque está atrelado ao tempo. Foi introdutor do tempo com uma linha, não um circuito circular sem fim.

Se o Brasil possui mais apreço pelos franceses, alertei Ariel para os germânicos e anglo-saxões. É um trem bem antigo: os latinos possuem o savoir-faire, os anglo-germânicos-escandinavos vão de know-how. Diferentes e parecidos. Lá pelas tantas, fiquei na incumbência de alertar Ariel de que o melhor de Kant estava no final da vida dele, dos livros de seu epílogo. Quando fez as pazes ao rever si próprio, seus pensamentos, suas idéias. Sugeri o segundo livro da Metafísica dos Costumes, o livro dos Princípios Metafísicos da Doutrina da Virtude. E também coube avisá-lo que a Crítica da Razão Pura nada mais era do que uma tentativa de resposta ao empiristas. That’s all. Qualquer coisa que saia muito disso é tirar o melhor de Kant de seu contexto mais expressivo.

Fica aqui a minha crença de que a crítica é mais técnica do que possa parecer. No fundo, estou cansando de achismos. Às vezes o que irrita é o amadorismo da crítica. Críticos despreparados, que por falta de bagagem, de repertório, entram numas de achar que crítica nada mais é do que um rosário destrutivo de elogios e queixas. Falta à crítica preparo. Preparo nas humanidades, preparo muito mais metafísico, muito mais kantiano, do que psicanalítico. Esse foi o cadafalso de Joyce: a crença na psicanálise, no suco de cérebro. Se ele fosse mais metafísico, talvez tivesse muito mais resposta para sua angústia. E tantas outras pessoas se baseando na impossibilidade de significados que expressem o que se pensa, o que se sente. Esse labirinto um tanto quanto esquisito, o labarinto lacaniano, quase um barroco na análise de alma, um completo despreparo do que as Letras são feitas. Tão técnicas quanto à medicina, à engenharia, as ciências jurídicas. A impressão de que Lancan nunca leu Ferdinand de Sausurre. Muito gri-gri para dizer Gregório. Não foi à toa a frase de Jung para Joyce quando irlandês apresentou os manuscritos da filha: onde você se afoga, ela afunda. Por isso admirei meu café com Ariel. Porque ele, como Estrela, perceberam que a vida vale mais do que se pode entender academicamente dos sentimentos que perspassam por ela. Finalmente onde os autores deveriam estar. Metafisicamente.

E fiquei feliz com o café com Ariel. Encontrei pessoas na minha querida terra-natal, filho daqui, que fala uma língua fantástica. Já conversei com outros também, mas nada tão epifânico como a metafísica numa padaria no Gonzaga. Ariel é um poeta ambicioso: a fusão da metafísica com a poesia. Será que ele consegue? Gostaria de estar vivo quando esse dia chegasse. Não que a ambição começou numa padaria no Gonzaga, ela é de certa antiguidade. Mas para mim foi revelada. É um trabalho de vulto para um escritor que fora das escritas escreve colóquios sonoros de apreensão visual sobre metáforas tão acachapantes quanto o tapa de uma onda de cinco metros na nuca de um banhista desavisado. Não me parece ser tão cinestésico assim, mas treina sua morfossintaxe-sabre nas agruras de um baile funk ou quando ensina um menino de rua a fabricar coquetel molotov.

Para Ariel, palavra como bomba é instrumento tão importante que moradores de rua e pedintes deveriam ter um blog. O desafio da estética: porque Poesia não é catarse.

Voltei para a Vila Belmiro (que segundo Ademir Demarchi tem crematório de corpos) feliz da vida. Porque acho que encontrei escritores feitos do dia-a-dia, não acastelados na erudição-hermética-do-saber-assustadoramente-inatingível. Para doutos e para hordas. A verossímel fidalguia. Definitivamente, aquele sábado me guardou. Guardou a mim, ao Téo, à Estrela e ao Ariel.





Um aniversário esquecido

19 10 2010

Pois é, Madammes et Monsieurs, depois de longo e tenebroso inverno, cá estamos de volta ao bom e velho Literaturial. Talvez não tão velho assim. Afinal de contas, o blog foi inaugurado no dia 7 de setembro do ano passado, um bebê que acabou de completar seu primeiro ano de vida. Um período difícil, onde, por questões de rusgas familiares, estava sem o meu bom e velho lap-top. Tive de me virar numa lan-house perto de casa, na Carvalho de Mendonça. Sinceramente, tudo voltou no ano seguinte. Trocou-se o lap-top por uma proibição.

Mas como esse é um blog sobre literatura, deixemos a vida pessoal de lado e vamos falar do que realmente interessa. Dos textos, dos livros…

De fato, meu desleixo não teria grandes justificativas senão fosse a quantidade de trabalho nos últimos tempos e uma imersão meio fora do comum em redes sociais. Redes sociais consomem tempo. Os textos vão ficando de lado, os blogs também. Mantenho o Pela Proa por honra da firma, mas acaba me faltando tempo para o essencial e, principalmente, para aquilo que eu verdadeiramente gosto: de escrever.

Deixei passar em branco o aniversário do blog. Meus parabéns atrasado…

Meio sintomático. Como quase tudo na minha vida, ou muito desleixo, ou muito por fazer e sem muito tempo para tudo isso. Os talentos ficam silenciados, ninguém sabe o que eu faço, uma miséria calada.

Hoje foi um dia difícil. Amanhã promete. Pelo menos o meu projeto está em andamento e pela manhã será mais um passo para a concretização de tudo isso. Mais um passo em direção a sonhos que tenho. Tentativa e erro… Gostaria de errar menos. Deu para perceber que nessa bagunça que eu me tornei, o pobre do meu blog sobre literatura acabou sobrando. Até mesmo porque anda faltando tempo para leituras, por causa do trabalho como tradutor e prazos cada vez mais malucos. Sempre contra o relógio.

Ultimamente, estou na leitura de duas obras que considero primas. Rhinocéros, de Eugène Ionescu, e A Clockwork Orange, de Anthony Burgess. No caso de Burgess, como é bom ler um texto de alguém que seja do ramo. Como é bom ler um texto feito por um linguísta. Como é bom ver a brincadeira etimológica que Burgess processa em seu tecido verbal. Literatura de verdade, como compromisso estético, como ruptura de código e linguagem, deveria ser como A Clockwork Orange. Sempre isso. Sem exceção.

Se achava meu ofício como escritor frustrante porque Saramago sempre contava as melhores histórias, as mais geniais, a frustração dobra quando leio Burgess. As histórias podem não ser lá geniais como as de Saramago, mas seu tecido verbal é ímpar. Não consigo encontrar, até este momento, alguém que se aproxime dessa genialidade. Da literatura como técnica, uma arte vocacional. Vou, humildemente, escrevendo meus textos, mas já sabendo de cara que tenho tudo para ser mais um rosto na multidão. Mais um que ama literatura, mas incapaz de um tecido verba tão genial como A Clockwork Orange.

Prometo ser mais organizado daqui para frente. E, se caso tiver realmente o talento ou a vocação para as Letras, fazer meu labor artístico florescer e alcançar o maior número de pessoas interessadas pelo que escrevo. Prometo não abandonar do jeito que eu fiz o Literaturial. Um espaço legítimo, verdadeiro, caloroso, genuíno, dessa arte fascinante que é a manifestação artística pelo texto, pelas palavras.