Um café com Ariel in paradisum panis

13 08 2011

          Não, Ariel. Não me deixe escolher a padaria onde beberemos café. Vamos naquela de sempre, que responde pelo pomposo nome de Paradisum Panis, no meu parco e ridículo latim. Ridere, lembra?! Aquela padaria que fecha mais tarde do que as demais, com aquelas cadeiras cibernéticas de alumínio, frias, onde o café é humilíssimo diante daquela variedade de licores. Desvio de função? Não, Ariel. O pão está lá, naquele preço de sempre, bem diferente da água que custa os olhos da cara, aquela cerveja que está pela hora da morte.

          Não, Ariel. Amar uma mulher até o osso, lamento. Só se ela deixar. O relacionamento é a seara de qualquer fêmea. Elas mandam. Não vá pensando que você vai chegar lá com toda sua ginga e vai cavá-la até chegar no fêmur, no ilíaco. Se ela deixar, bem. Caso contrário, amém. Volte para casa e abra o seu livro. Mas, por favor, Crítica da Razão Pura, não… O absenteísmo dos princípios metafísicos da doutrina da virtude é que assolam nosso sonho de arte, nossa utopia da escrita artística. Como? Não, não, essa mania do brasileiro falar francês. Já te falei para esquecer metafísica em língua neolatina. O que pega é a de língua anglo-saxonica, germânica, nórdica. Aquela que não conseguimos sequer pronunciar o nome direito.

          Você sabe por que ele não tem tradição? Porque ele não tem utopia. Simples: não se sai do ponto A sem tentar chegar no ponto B. A curtição é o trajeto do passeio. Não, Ariel, presta atenção: as possibilidades, xará, as possibilidades!   Chatice seria todo mundo igual. Cada um deita na cama que tem em casa. É o que temos para hoje. Do que me adianta uma belíssima mesa de mármore para deitar em cima? Caixão não tem gaveta e mortalha não tem bolso. Se ele não tem tradição, problema é dele. Nosso é que não é…

          Assim, dúvido que você pagasse mais do que dez mil por um texto inédito de um autor desconhecido. Se Dostoiévski ganhou isso por uma obra-prima, há de se considerar que aquela era a primeira vez que ele conversou com seu editor. Ninguém ganha glória de uma peça artística a priori. Pára e pensa: todo mundo que hoje deita sobre os louros do júbilo já foi um tremendo desconhecido. Concordo, xará, concordo. Tem gente reivindicando Balzac e cobrando o dinheiro do busão (quando cobra). Ah, mas, aí, teria de rolar uma reserva de mercado, regras para que a categoria não queime o filme.

          O que eu acho engraçado é essa da ética vir antes da estética. Você não está nem aí para um juízo estético e agora quer que os demais se valorizem? Então, xará, pau que bate em chico bate em francisco. Essa de jogar para escanteio o leitor é uma furada gigantesca. Blanchot nem olha para a cara dos tradutores. É o precursor do Google translator.  Isso aqui é jogo: eu construo daqui, você constrói daí. Leitor dá a letra do outro lado da obra, dobra o vergalhão, calcula o concreto. Deus pai: a flecha atinge o alvo. Se o sujeito e objeto ficaram do lado de dentro, o fora é neutro. Ou seria o contrário? O duro é explicar isso para quem abre o livro e começa a degluti-lo. Olha, nada desse negócio de sujeito… Vai fazer coisa errada.

          Juro, xará, juro. Virei o livro da Tatiana do avesso, de ponta-cabeça. Não achei um Hume, um Humezinho sequer. Ah, não. Não vem com essa, não. Eu sei que ele é poeta, mas se vai enveredar nessa de teoria literária é melhor fazer o trem direito. É de um empirísmo sem par e nenhuma reverência? Quer falar do imaginário e nem aí para a imagem? Não, Ariel, já te falei que não há nada por detrás da imagem. Aquilo é signo, não é a coisa em si. Eu sei, não existe uma anterior a outra. Só que o grande pecado dos nosso tempos é achar que Saussure é cartilha de estudante de Letras. Não passa disso. Pois é, xará, veja o senhor: sem entender o signo linguístico, não sai nada do lugar. Essa mania que as pessoas têm em achar que o signo linguístico não vale para os demais. Então, olha só: o signo linguístico é arbitrário e convencional. E ainda teve a pachorra de colocar o leitor para escanteio. Como é que fica? Não, sou que estou te perguntando, como é que fica?

          Ah, sim, mas repare: o neutro é o sujeito e o objeto devidos. Percebe? Só que precisa combinar com os russos. Combinaram com os russos? Esses caras vão me deixar maluco! Mais do que eu já sou. Só que não posso escrever por fora e o leitor fica com aquela cara de meu conjuge saiu para comprar cigarro na eleição do Juscelino e até agora não voltou. O leitor fica com a idéia e vai intensificando até voltar a ser inegociável. Fossilizado, sabe?

          É por isso que eu te digo, xará: vamos fazer força para que a conta feche? Porque se voltar a ser impressão, meus pêsames. Ele fecha o livro na página trinta e sai por aí a maldizer um esforço. Poesia não é catarse. Aleluia! Vai cair pedaço em dar uma olhadinha no quintal do vizinho e ver o que outros anteriormente já falaram sobre esse assunto? A questão não é que ele não citou. O problema é que ele o ignorou. Não, Ariel. Ele se universalizou daquele jeito, como você mesmo disse: um rascunho. Mal engendrado pacas! Ele agora é kantianamente uma forma. É um processo quase irreversível. Inês é morta.

          Não, Ariel, há a possibilidade do autor escolher em que estado quer ficar. Age por convicção de uma crença. Se pedir para rever, ou revisitar, vai dar uma de distraído e dizer que não é com ele. Foi o doutor delegado que disse que se esse lance do neutro libertar a linguagem, vai levar todo mundo para a averiguação. Não, Ariel, vai sobrar para a linguagem. O patamo-mór me garantiu ser mister enquadrar a pobrezinha por ininteligibilidade.

          Não, Ariel, só tenho dois reais. Ruim de troco aí? Só um instantinho, deixa eu ver se tenho alguma moeda aqui. Olha, por tudo quanto é mais sagrado, não acreditei quando você me disse que essa mochila é a extensão do seu corpo. Maravilha! Já vi que ela também vai para debaixo do chuveiro pelo jeito.

          Então, essa parada do Mandarim é uma boa, viu? Acho que estou nessa. Vê direitinho como é que vai ficar e a gente conversa mais lá na frente. E se liga que até o osso é evento de vulto, entendeu? Se vai dar a maior mão de obra, o mínimo que estou a fim é de conforto. Sinceramente, não vou ficar de gaiatice em pedra de arrebentação, principalmente nesse frio que está fazendo. A gente se fala.

          Um abraço!


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13 08 2011
Ricardo

Aos Marcelo’s – desde a Estrela. Pôxa! Não preciso chover no molhado, mas parabéns por ter versado o singelo da palavra. Emociona perceber quão humano paira, ombro a ombro com o homem. É pena que estas cartas não tenham mais a tinta da “caneta tinteiro”, quando mais viscerais estiveram naquelas “mal traçadas linhas”, levando o borrão das lágrimas – aqui de júbilo, Porém, nesta terra fértil, aí vai mais uma semente… no que toca a todos: “beleza pura”, quanto à minha redenção… , estaria “ampla, geral e irrestrita”, se metáfora citada e aceita, mas tangenciar o signo é brincar de mágico – ilusionista… né?! Abraços. Ricardo.

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